sábado, outubro 10, 2009

ENCANTOS DE UMA TARDE DE VERÃO




(Conto de Lara Lunna. Se quiser copiar, coloque os créditos. Registrado na Biblioteca Nacional)

Alessandra, naquela tarde de sábado, observava distraída a uma vitrine. Vestia uma calça jeans surrada e um pequeno top, que lhe valorizava os contornos sutis e deliciosamente femininos do corpo. Os cabelos molhados, exalavam suave perfume.

Suspirou ao ver aquela pequena peça da vitrine da joalheria, que tanto a atraía. Uma jóia que consistia em um pequeno e delicado coração dourado, cravejado de brilhantes, preso a um cordão, também de ouro. Mudou de vitrine.

Não podia cobiçar uma jóia como aquela, ela bem sabia. Olhou alguns modelos de sapatos e bolsas e já se encontrava totalmente distraída. Alguém lhe tocou suavemente o braço.

Virou o rosto e se deparou com os olhos mais intensamente verdes que já conhecera em seus 23 anos. Tremeu diante do sorriso enigmático daquela mulher que estava a sua frente. Possuía uma beleza clássica, como se tivesse saído de um filme de época. Aparentava ter trinta e cinco anos ou menos, mas isso lhe emprestava mais glamour, charme e uma melancolia langorosa no olhar que a seduzia, enfeitiçava. Suas roupas também eram no estilo antigo. Saia longa de tecido macio e pesado, adornado com belos arabescos, camisa diáfana com decote amplo e sensual onde se via o delicioso início do vale entre seios redondos de um branco rosado. Punhos e gola de renda branca, também finamente bordados. Cabelos mel avermelhados longos e presos no alto, de forma que, frouxos ao meio, moldassem a forma de um botão de flor. Deste modo, podia-se também vislumbrar o pescoço longo, liso e sensual, a linha elegante da nuca e fronte, onde pequenas mechas de cabelo macios e finos, esvoaçavam à menor brisa.

- Quero fazer amor com você! - disse a desconhecida com voz ardente e rouca e de tão próximo, seu hálito rescendeu fresco e sutilmente perfumado como o odor do solo nu, coberto pelo orvalho, nas manhãs.


Alessandra quase desfaleceu. O inusitado lhe acontecera. Nunca poderia imaginar ouvir algo assim de um homem desconhecido, tampouco... de uma mulher atraente e misteriosa.

Afastou-se do toque dela como se a estivessem queimando. Sim, porquê a desconhecida ao falar-lhe, prendeu-lhe firme o braço com a mão de dedos longos e pele acetinada.

- Não! - tentou balbuciar, mas sua voz lhe prendeu na garganta, enquanto aquela mulher agora lhe segurava a mão com doçura para conduzi-la consigo, obediente e dócil, como se hipnotizada.


Caminharam duas quadras e entraram em uma espécie de hotel de estilo antigo. Tudo era em madeira com detalhes esculpidos. Havia luminárias em forma de flores, candelabros de cristal, maçanetas e corrimões no sensual e orgânico estilo Art Noveau.

Um quarto , no andar superior, suavemente iluminado por abajures Tiffany, foi aberto e no ar, havia um perfume inebriante. A grande cama de casal estava forrada em seda cor de vinho. Não era preciso muita argúcia para perceber que se tratava de uma suíte nupcial,cuidadosa e recentemente preparada.


Alessandra não conseguia livrar-se do seu langor, mesmo quando foi lançada de forma forte, quase selvagem na cama, enquanto aquela mulher lhe retirava a roupa com paixão e urgência. Seus lábios, língua e beijos queimavam-lhe a pele e ela sentia cada centímetro de si, reagir, arrepiar, enquanto um calor intenso e quase desconhecido lhe tomava totalmente o corpo.

“Isso não pode estar acontecendo comigo” - pensou. “tão mágico, intenso e bom. Não, quando acordar, descobrirei que estou na minha cama e só...”

Mas a trama ao redor seguia inexoravelmente, banhando-a com todas as magníficas sensações colhidas por todos os seus sentidos.


Os lábios da jovem, se tornaram rubros e inchados ante a fúria dos beijos daquela mulher que agora, enquanto a amava, deixava que seus longos e perfumados cabelos, soltos, descessem e acariciassem o corpo de Alessandra, qual cortinas macias.

Aquela mulher febril e sedenta, fazia vibrar cada fibra do seu corpo, conduzindo-a pelo labiríntico caminho do intenso prazer, de forma como aquela garota nunca havia experimentado antes, em sua curta experiência sexual. Os gemidos da desconhecida, vezes pareciam o rugir de uma pantera no cio, outras vezes, o doce ronronar de uma felina, apossando-se, soberana, do corpo da jovem amante enquanto a iniciava na ancestral e misteriosa arte do amor. O quarto se perfumou com o cheiro de saliva, suor e a seiva dos seus sexos que escorria entre as coxas entrelaçadas.


E então, como se percebendo que Alessandra elevava-se no auge do seu êxtase, ela deslizou seus lábios, língua e mãos até o macio encontro das coxas de sua amante, alcançando o centro magnífico, nascente de todo prazer. Sorveu ali, a pele, a carne macia, sensível e tenra, com sofreguidão, de forma que, invadida pela força do desejo transbordante, Alessandra cravou as unhas nos ombros, espáduas e flancos de sua amante, bebendo com paixão e quase dor, o prazer que a invadiu em ritmadas e poderosas ondas.

Desfaleceu exaurida no ápice da erupção vertiginosa que, em um breve momento a lançou ao céu, como um cometa incandescente e em outro momento a fez mergulhar de volta, desligando-a de seus sentidos, como se seus neurônios, antes sobrecarregados por tanta luz e sensações, tivessem sofrido uma sobrecarga, um curto-circuito de forma que seu universo, desapareceu mergulhado em completa escuridão.

Quando acordou estava sozinha. A tarde declinara e o quarto, escuro. No primeiro momento que caiu em si, pensou que sofrera uma espécie de delírio, alucinação, porém... ainda havia no ar o cheiro "dela”.

Ligou um pequeno abajur próximo e viu ao seu lado, nos lençóis amarfanhados, aquele cordão de ouro com o pingente em forma de coração que antes tanto cobiçara diante da vitrine. De perto e entre os dedos, a avaliou devagar, percebendo que se tratava realmente de uma jóia sofisticada e preciosa.

Pela intuição, constatou que sua amante desconhecida lhe dera aquele presente. Permaneceu momentos, perdida em confusão mental, sem saber como agir. Não deveria aceitar uma jóia daquele valor, como se fosse o pagamento recebido por ter cedido aos desejos da misteriosa desconhecida, nem ao menos conseguia acreditar que fizera amor com uma mulher e...fora maravilhoso.


Vestiu-se rapidamente, pegou a jóia e a botou na bolsa. Súbito, decidiu encontrar com a estranha e devolver-lhe a peça. Desceu as escadarias com o rosto ruborizado. O atendente certamente teria estranhado duas mulheres indo para um quarto naquele horário do dia e certamente reparara especialmente nelas, porém, vencendo o embaraço pela força do desejo de saber mais sobre a hóspede do quarto 33, avizinhou-se do balcão.

- Por favor, meu senhor! Minha amiga... do quarto 33, esqueceu um objeto dela comigo e... eu gostaria de saber quando ou onde poderei encontrá-la... para devolvê-lo...

O homem, parou de conferir alguns apontamentos em um livro e a observou com curiosidade.

- Desculpe senhorita, mas isso é impossível. O quarto 33 é reservado. Pertence à família da dona desse hotel e não poderia ter nenhum hóspede instalado lá. São as normas. – moveu os ombros.

-“Então a desconhecida pertencia à família proprietária daquele hotel antigo e luxuoso?” – indagou-se Alessandra, imaginando que agora talvez, ficaria mais fácil encontrar com a sedutora de olhos de esmeralda que a abordara na rua. Justificou o interesse em reencontrá-la como puramente para lhe devolver a jóia e talvez, se tivesse oportunidade, lhe fazer algumas perguntas.

Porém, dentro de si, sabia que o desejo sôfrego de encontrá-la outra vez, explodia intenso. Criticou-se por ter praticamente desmaiado após o ato pois o que mais desejava agora era conversar com a mulher que a amara, tocar seus braços, sua face. Olhou ao redor, tentando organizar os pensamentos quando avistou, no requintado hall do hotel, o retrato "dela"...

Voltou-se para o recepcionista, meio sem graça. Algo no seu íntimo a aconselhou a perguntar, com cautela.

- Quem é aquela senhora?

Ele parou novamente de consultar o livro de hóspedes com o dedo indicador e voltou o rosto para a direção apontada.

- É a fundadora do hotel. Uma mulher muito bonita e inteligente.

- E como posso encontrá-la? – gaguejou a jovem.

O homem riu com a pergunta.

- Não neste século, minha jovem. Ela viveu no início do século XIX e o quarto 33, este que você disse que esteve com sua amiga, é o quarto reservado a ela. Ninguém entra lá para se hospedar há mais de cem anos, além das camareiras e empregados que prestam manutenção. No entanto, nos dia do aniversário de Dona Isadora Veiga, alguns equinócios, solstícios, início da primavera e outras estações, além de natal e ano-novo, o quarto é preparado como para recebê-la. É um dos últimos desejos que ela manifestou em seu testamento. Nem os seus descendentes ousam ficar naquele quarto. Os objetos nos móveis, cabideiro e armários, pertenceram a ela. Estou certo que você se enganou quanto ao número da suíte. Mas não se preocupe. Não foi a primeira a ter esse tipo de alucinação com o quarto 33. Principalmente em dias como hoje. – ele olhou para o calendário na parede próxima. – O aniversário de Dona Isadora.

Aturdida, Alessandra voltou-se e saiu Dalí com passos apressados. O dia ainda estava claro e ela sofrera uma série de alucinações. Mas o pingente em seu bolso era real e ela o tocava nervosamente com a ponta dos dedos.

Metros adiante, um menino a alcançou, ofegante e lhe entregou um envelope lacrado. Dentro, a jovem encontrou uma chave de metal amarelo, bonita e envelhecida, além de um pequeno bilhete perfumado. O perfume “dela”.

“Daqui a duas semanas, será Primavera. Você virá? Eu a esperarei”.

Preso na chave por uma argola havia uma plaqueta com o número 33.

Alessandra voltou-se para o hotel e ergueu os olhos para a janela do terceiro andar, onde acreditava ser o quarto de Isadora. Lá, avistou uma silhueta esguia que lhe acenava com a mão. Acenou de volta, trêmula. Depois seguiu seu caminho.

(contos-lara-lunna.vilabol.uol.com.br)